quarta-feira, 3 de julho de 2013

Impressões Expressas: da Cena para Dentro / Amanda Calabria

Venho, há algum tempo, refletindo sobre como tudo começou, e agora a necessidade de passar os pensamentos adiante me arde forte. Escrevo porque é necessário, assim como me é vital estar em cena. Venho, por essa razão, trocar minhas impressões com os colegas e revelar um pouco de mim no processo de trabalho para além da cena. Inclusive, acho que devemos fazer isso mais vezes. O blog é uma via muito boa, mas tenho a impressão de que em algum momento nos perdemos. É também sobre isso que gostaria de falar, dos encontros e dos desencontros entre nós; perdas e ganhos.

Assim como o Henrique, sinto muitas mudanças em mim desde quando iniciamos o projeto. O laboratório sob a perspectiva do teatro físico e a experiência com o view points me fez crescer muito. Vejo que o trabalho físico realizado, conjugado a dramaturgia de Pirandello, é potencialmente revelador das intimidades e dos impulsos do performer. E o amadurecimento, em mim, veio não só como bagagem profissional, mas também me afetou no âmbito pessoal. O trabalho físico com a cena pirandelliana me exigiu dedicação e disciplina enquanto atriz, e também levou a uma revelação do que é íntimo, isso numa relação de dependência de um com o outro para que o trabalho aconteça.

Percebo que o laboratório, precocemente, me trouxe alguns resultados. Também por estar numa  fase da vida em que o amadurecimento se dá de maneira rápida, sinto um desenvolvimento de uma Amanda mais madura após alguns meses de convívio e trabalho. Observo agora um corpo ativo, vivo, despido. Hoje “eu não me envergonho mais”, e não é à nudez que me refiro, é ao fato de não sentir mais receios de me mostrar, de, de repente, ver um movimento revelar algo de muito íntimo, algo que é real e que vem de dentro de mim. Algo que é meu, só meu, e que se emocionalmente me soa estranho, artisticamente pode ser muito interessante, porque toca no outro de modo verdadeiro, gerando uma cumplicidade entre performer e espectador.

Isso é, ao meu ver, o que essa abordagem contemporânea traz de mais generoso a arte. Não se super valoriza o texto ou a personagem, o ator pode utilizar da personagem para fazer um mergulho interno, tendo assim a oportunidade ímpar de conferir a arte algo que é seu, só seu e de mais ninguém. Agora começo a compreender Artaud e Grotowski na relação que eles buscavam entre ator e espectador. É uma intimidade que só acontece com doação, entrega, desnudamento. É  mesmo um ritual. E é uma doação vital, uma necessidade!

A entrega que hoje consigo vivenciar, é claro, não aconteceu do nada. E o meu processo não se iniciou agora com o projeto. Faço teatro há quase três anos – o que é muito pouco, mas já me confere alguma experiência, e pude vivenciar algumas coisas no tocante ao íntimo. Nesse sentido o trabalho com o realismo e naturalismo é maravilhoso. À contribuição de Stanislavski reconheço a relação entre personagem e ator, mas nada foi tão visceral quanto a abordagem contemporânea física da cena, do corpo, do íntimo, do ser. Hoje posso dizer que a prática não é mais brincar de fazer teatro, mas esse fazer teatro se tornou uma necessidade, e, principalmente, pela descoberta da possibilidade de me usar como matéria prima, de mexer a fundo nas minhas impressões e na minha memória para dar vida à uma personagem (instrumento).

Nessa minha breve caminhada não posso me ater ao trabalho individual, a contribuição do grupo foi essencial para o despertar dessas percepções. O coletivo sempre se mostrou muito aberto para as expressões individuais que se revelaram e para as trocas decorrentes do processo. E comigo o coletivo foi muito generoso. A ânima do grupo, a vontade de alguns e a doação dos colegas foi fundamental para chegarmos ao resultado que agora alcançamos, e que corre num crescente. Foram várias as cenas fruto de trabalhos a fundo, de investigação e de criação, acredito inesgotável, que conseguiram atingir a emoção dos colegas e espectadores de modo intenso, profundo.

Acho, todavia, que nos percalços nos perdemos um pouco. Nos perdemos quando deixamos de ensaiar, quando chegamos atrasados, quando não levamos os objetos, quando não decoramos o texto, quando não estamos lá no Solar inteiros. Essas coisas que acontecem, claro, mas que aos poucos mínguam a energia do grupo. É importante que aprendamos que pequenos ‘’desleixos’’ são completamente dispensáveis ao teatro, ou melhor, são prejudiciais, e se permitirmos serão até destrutivos. Esse papo da Martha de nos tornarmos independentes é fundamental. Devemos ser agentes, co-autores do espetáculo e aproveitar a chance de criarmos sozinhos, o que é maravilhoso! E, quando nos comprometemos de verdade  “A COISA” acontece e brilha, porque acontece dentro de nós e irradia nos outros performers, e nos espectadores, e nas janelas, e portas de todo o Solar. É por isso que faço teatro, porque quando entro em cena, após muito ensaio, eu me sinto incendiar, me sinto agraciada, e aquilo é a única coisa que eu gostaria de fazer na vida. É preenchimento. Acho que pra mim é um ato de fé, de rendição, mas isso é outra história...

Por fim quero agradecer a todos. Minha gratidão aos colegas que me ensinam diariamente, que me recebem sempre com sorrisos e abraços, à Martha pela oportunidade de trabalho e pela doação amorosa ao projeto, e meu agradecimento a todos que se envolveram para além da cena, os que ficam nas coxias se empenhando para tudo acontecer e brilhar. Gratidão. E que venha dia 11 para mostrarmos o nosso melhor! 

EVOÉ!

Nenhum comentário:

Postar um comentário