sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Arte/Palavra: Juliana Sodré

O Blog Maschere Nude, através do Projeto de Extensão e Pesquisa Pirandello Contemporâneo, traz agora uma série de estudos sobre o teatro contemporâneo, realizados por estudantes da disciplina Interlocuções em Arte/Palavra do curso de Artes, UFF, ministrada pela diretoda e professora Martha Ribeiro

Os estudos foram feitos ao longo do último semestre da UFF, em que os alunos inscritos na disciplina acompanharam o processo dos performers do projeto de extensão, enquanto montávamos nossa primeira performance, "Os Seis Visitam o Solar: Performance Estudo I". Nesse primeiro estudo, é a Juliana Sodré quem relata um pouco a sua experiência e observação sobre o projeto e debate um pouco sobre o teatro pós-dramático.


"Como estudante do curso de Artes, tive a oportunidade, através da disciplina Arte/Palavra, de acompanhar o processo de criação, construção, investigação e elaboração cênica, proposto pela professora Martha Ribeiro, durante a primeira parte do projeto Pirandello. Processo este, elaborado de forma extremamente contemporânea, onde uma linguagem cênica é criada de forma experimental, explorando através de exercícios, o potencial, a linguagem corporal, sentimental, impulsiva, e intuitiva de cada ator, para à partir daí começarem a criar partituras que iriam compor todo o espetáculo.

As leituras complementares que nos foram oferecidas fizeram com que eu me envolvesse mais e pudesse entender melhor como funciona esse processo de construção cênica, como que essa “nova teatralogia que se esforça por ser multidisciplinar e experimental ao mesmo tempo” (De Marinis, 1988) É extremamente rica de possibilidades e envolvimento.

Esse processo de observação, que não é apenas passiva, mas em alguns momentos  torna-se também uma observação atuante, fez despertar em mim um interesse nessa área de atuação teatral onde teoria e pratica caminham juntas, onde uma complementa e contribui com a outra.

Segundo De Marinis “Não existe um único tipo de experiência e compreensão do teatro, existem vários...” De Marinis questiona “É possível compreender uma técnica teatral e em particular a técnica do ator, sem exercê-la diretamente, sem ter de alguma maneira uma experiência ativa?” “Não se pode ser um bom historiador, ou teórico de teatro sem ter, ou haver tido, também uma experiência técnica (artesanal) desta arte.” Aqui entendo técnica (artesanal) como prática. Acho interessante transcrever aqui essas citações para traduzir melhor meu pensamento de teoria e prática caminhando juntas. Pois se se fica apenas na teoria, ou apenas na pratica, nesses casos a compreensão vai apenas até certo ponto, não se pode aprofundar num processo, tanto teórico quanto prático, sem conhecê-lo por completo, sem vivenciar, experimentar, sentir cada sentimento, cada possibilidade em sua plenitude, ao extremo, inteiro, presente.

Essas palavras que acabei de escrever, remeteram-me ao processo de criação das partituras do Projeto Pirandello. Onde propondo uma imersão no universo do texto, “OS SEIS PERSONAGENS EM BUSCA DE UM AUTOR” no caso, o universo do bordel, do incesto, de uma família fragmentada, os atores iam entrando em contato com os conteúdos que desses universos emergiam, e começava-se a criar uma relação entre os atores, e a riqueza do trabalho começava a surgir a partir das diferentes experiências de cada ator, a diferença dos corpos, dos movimentos de cada corpo em particular, dos desejos e dos sentimentos que afloravam, um olhar, um tempo de espera, um som, um gesto sutil, um gesto agressivo, o silêncio...

“O que acontecerá quando a realidade em si mesma já “dessemantizada” do corpo na dor e no prazer for eleita como tema do teatro? É justamente isso que ocorre no teatro pós-dramático. Ele faz do próprio corpo e do processo de sua observação um objeto estético teatral. É menos como significante do que como provocação que esse objeto vem à tona. Foi necessária a emancipação do teatro como uma dimensão própria da arte para se compreender o corpo, sem prolongar uma existência como significante, pode ser agente provocador de uma experiência livre de sentidos que não consiste na atualização de um real e de um significado, mas é experiência do potencial. O processo pós-dramático se dá no corpo e não mais entre os corpos. O corpo pós- dramático estabelece a imagem de sua agonia. Isso interdita toda representação ou interpretação placidamente apoiada no corpo como mero intermediário. O ator precisa se colocar. “é a decomposição do homem que se dá sobre o palco”. (Hans-Thies Lehmann). Para complementar, Valère Novarina afirma: “O ator não é um intérprete porque o corpo não é um instrumento.”

O que pude perceber e observar durante o processo de criação do Projeto Pirandello e traçar um paralelo com o estudo da teatralidade contemporânea, essa nova teatralidade que permite a fusão de varias possibilidades, segundo Pavis: “o texto cênico é fruto da composição de vários códigos que o encenador mobiliza na estruturação de uma gigantesca partitura, em que espaço, ator, texto verbal, música e demais materiais teatrais, traçam figuras, ritmos, organizações formais, cadeias de motivos e atitudes, quadros estáticos e em movimento, mutação de situação e de ritmo, na organização de um discurso teatral de múltiplos enunciadores.”

Pude observar todas essas características de uma teatralidade contemporânea no Projeto Pirandello, onde não existia uma única visão, a visão do enunciador, os atores contribuíam a todo o momento na construção das partituras, o próprio espaço físico, já não é de um teatro clássico com palco e quarta parede, o espetáculo foi desenvolvido e apresentado em um casarão antigo, onde atores e espectadores dividiam praticamente o mesmo espaço, não havia uma separação, havia uma possibilidade de troca entre ator e espectador, o uso de projeção de vídeo, que a meu ver, também é uma forma de quebrar com essa barreira entre ator e espectador, porque inevitavelmente quando os atores param para observar o vídeo, ali, naquele momento, eles passam a ocupar um lugar de espectador também.

“A palavra teatro deriva do grego theaomai, verbo que significa olhar com atenção, contemplar, mas também significa a pessoa olhada com admiração, ou ainda, ver no sentido de visitar, de estar com a pessoa vista. E mais, de aprender através do olhar. Como substantivo, théatron estabelece um lugar, “o lugar de onde se vê”. Duplo movimento: o de olhar com admiração e o de ser olhado. Teatro é uma palavra que permite a simultaneidade daquilo que se vê e que é visto, palavra que evidencia o fluxo entre eu e tu, que nos coloca sentados no colo do paradoxo, ao mesmo tempo Medusa e Pégaso.”(Verônica Fabrini)

Diz o mito que Medusa, antes de ser transformada pela ciumenta Athena em monstro de cabelos de serpentes, era uma donzela linda, de exuberante cabeleira, surpreendida pela deusa em seu templo, nos braços do insaciável Zeus. Seu castigo foi o de transformar todos os que a olhavam em estátuas de pedra. Medusa foi morta por Perseu, que usando sandálias aladas e um escudo mágico de metal polido, fez com que ela própria se mirasse e, paralisada, pôde o herói decapitá-la com uma espada que lhe fora presenteada por Hermes. O sangue escorreu em abundância e foi recolhido por Perseu. Da veia esquerda, saía um poderoso veneno. Da veia direita um bálsamo capaz de ressuscitar os mortos. De seu pescoço, nasceram duas criaturas: o gigante dourado Crisaor e o cavalo alado Pégaso. Bálsamo e veneno, pedra e voo. Como estar sentado no colo do paradoxo.

Rendendo-se à espada de Perseu, Medusa é libertada de sua triste sina e Pégaso- símbolo da poesia- nasce de seu pescoço.

Essa ambiguidade que é inquietante na relação com o olhar."


BIBLIOGRAFIA

DE MARINIS, Marco. En busca del actor e del espectador. Comprender el teatro II, ed. Galerna.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático, ed. Cosacnaify

PAVIS, Patriice. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas, ed. Perspectiva.


LAZZARATTO, Marcelo. Campo de visão: exercício e linguagem cênica, Ed. Escola superior de artes Célia Elena.