Venho, há algum tempo, refletindo
sobre como tudo começou, e agora a necessidade de passar os pensamentos adiante
me arde forte. Escrevo porque é necessário, assim como me é vital estar em
cena. Venho, por essa razão, trocar minhas impressões com os colegas e revelar
um pouco de mim no processo de trabalho para além da cena. Inclusive, acho que
devemos fazer isso mais vezes. O blog é uma via muito boa, mas tenho a
impressão de que em algum momento nos perdemos. É também sobre isso que gostaria
de falar, dos encontros e dos desencontros entre nós; perdas e ganhos.
Assim como o Henrique, sinto
muitas mudanças em mim desde quando iniciamos o projeto. O laboratório sob a perspectiva
do teatro físico e a experiência com o view points me fez crescer muito. Vejo
que o trabalho físico realizado, conjugado a dramaturgia de Pirandello, é
potencialmente revelador das intimidades e dos impulsos do performer. E o
amadurecimento, em mim, veio não só como bagagem profissional, mas também me
afetou no âmbito pessoal. O trabalho físico com a cena pirandelliana me exigiu
dedicação e disciplina enquanto atriz, e também levou a uma revelação do que é
íntimo, isso numa relação de dependência de um com o outro para que o trabalho
aconteça.
Percebo que o laboratório,
precocemente, me trouxe alguns resultados. Também por estar numa fase da vida em que o amadurecimento se dá de
maneira rápida, sinto um desenvolvimento de uma Amanda mais madura após alguns
meses de convívio e trabalho. Observo agora um corpo ativo, vivo, despido. Hoje
“eu não me envergonho mais”, e não é à nudez que me refiro, é ao fato de não
sentir mais receios de me mostrar, de, de repente, ver um movimento revelar algo
de muito íntimo, algo que é real e que vem de dentro de mim. Algo que é meu, só
meu, e que se emocionalmente me soa estranho, artisticamente pode ser muito
interessante, porque toca no outro de modo verdadeiro, gerando uma cumplicidade
entre performer e espectador.
Isso é, ao meu ver, o que essa
abordagem contemporânea traz de mais generoso a arte. Não se super valoriza o
texto ou a personagem, o ator pode utilizar da personagem para fazer um
mergulho interno, tendo assim a oportunidade ímpar de conferir a arte algo que
é seu, só seu e de mais ninguém. Agora começo a compreender Artaud e Grotowski
na relação que eles buscavam entre ator e espectador. É uma intimidade que só
acontece com doação, entrega, desnudamento. É mesmo um ritual. E é uma doação vital, uma
necessidade!
A entrega que hoje consigo
vivenciar, é claro, não aconteceu do nada. E o meu processo não se iniciou
agora com o projeto. Faço teatro há quase três anos – o que é muito pouco, mas
já me confere alguma experiência, e pude vivenciar algumas coisas no tocante ao
íntimo. Nesse sentido o trabalho com o realismo e naturalismo é maravilhoso. À
contribuição de Stanislavski reconheço a relação entre personagem e ator, mas
nada foi tão visceral quanto a abordagem contemporânea física da cena, do
corpo, do íntimo, do ser. Hoje posso dizer que a prática não é mais brincar de
fazer teatro, mas esse fazer teatro se tornou uma necessidade, e,
principalmente, pela descoberta da possibilidade de me usar como matéria prima,
de mexer a fundo nas minhas impressões e na minha memória para dar vida à uma
personagem (instrumento).
Nessa minha breve caminhada não
posso me ater ao trabalho individual, a contribuição do grupo foi essencial para
o despertar dessas percepções. O coletivo sempre se mostrou muito aberto para
as expressões individuais que se revelaram e para as trocas decorrentes do
processo. E comigo o coletivo foi muito generoso. A ânima do grupo, a vontade
de alguns e a doação dos colegas foi fundamental para chegarmos ao resultado
que agora alcançamos, e que corre num crescente. Foram várias as cenas fruto de
trabalhos a fundo, de investigação e de criação, acredito inesgotável, que
conseguiram atingir a emoção dos colegas e espectadores de modo intenso,
profundo.
Acho, todavia, que nos percalços
nos perdemos um pouco. Nos perdemos quando deixamos de ensaiar, quando chegamos
atrasados, quando não levamos os objetos, quando não decoramos o texto, quando
não estamos lá no Solar inteiros. Essas coisas que acontecem, claro, mas que aos
poucos mínguam a energia do grupo. É importante que aprendamos que pequenos
‘’desleixos’’ são completamente dispensáveis ao teatro, ou melhor, são prejudiciais,
e se permitirmos serão até destrutivos. Esse papo da Martha de nos tornarmos
independentes é fundamental. Devemos ser agentes, co-autores do espetáculo e
aproveitar a chance de criarmos sozinhos, o que é maravilhoso! E, quando nos
comprometemos de verdade “A COISA” acontece
e brilha, porque acontece dentro de nós e irradia nos outros performers, e nos
espectadores, e nas janelas, e portas de todo o Solar. É por isso que faço
teatro, porque quando entro em cena, após muito ensaio, eu me sinto incendiar,
me sinto agraciada, e aquilo é a única coisa que eu gostaria de fazer na vida. É
preenchimento. Acho que pra mim é um ato de fé, de rendição, mas isso é outra
história...
Por fim quero agradecer a todos.
Minha gratidão aos colegas que me ensinam diariamente, que me recebem sempre
com sorrisos e abraços, à Martha pela oportunidade de trabalho e pela doação
amorosa ao projeto, e meu agradecimento a todos que se envolveram para além da
cena, os que ficam nas coxias se empenhando para tudo acontecer e brilhar.
Gratidão. E que venha dia 11 para mostrarmos o nosso melhor!
EVOÉ!