O Blog Maschere Nude, através do Projeto de Extensão e Pesquisa Pirandello Contemporâneo, traz agora uma série de estudos sobre o teatro contemporâneo, realizados por estudantes da disciplina Interlocuções em Arte/Palavra do curso de Artes, UFF, ministrada pela diretoda e professora Martha Ribeiro.
Os estudos foram feitos ao longo do último semestre da UFF, em que os alunos inscritos na disciplina acompanharam o processo dos performers do projeto de extensão, enquanto montávamos nossa primeira performance, "Os Seis Visitam o Solar: Performance Estudo I". Nesse primeiro estudo, é a Juliana Sodré quem relata um pouco a sua experiência e observação sobre o projeto e debate um pouco sobre o teatro pós-dramático.
"Como estudante
do curso de Artes, tive a oportunidade, através da disciplina Arte/Palavra, de
acompanhar o processo de criação, construção, investigação e elaboração cênica,
proposto pela professora Martha Ribeiro, durante a primeira parte do projeto
Pirandello. Processo este, elaborado de forma extremamente contemporânea, onde
uma linguagem cênica é criada de forma experimental, explorando através de
exercícios, o potencial, a linguagem corporal, sentimental, impulsiva, e
intuitiva de cada ator, para à partir daí começarem a criar partituras que
iriam compor todo o espetáculo.
As leituras
complementares que nos foram oferecidas fizeram com que eu me envolvesse mais e
pudesse entender melhor como funciona esse processo de construção cênica, como
que essa “nova teatralogia que se esforça por ser multidisciplinar e
experimental ao mesmo tempo” (De Marinis, 1988) É extremamente rica de
possibilidades e envolvimento.
Esse processo de
observação, que não é apenas passiva, mas em alguns momentos torna-se também uma observação atuante, fez
despertar em mim um interesse nessa área de atuação teatral onde teoria e
pratica caminham juntas, onde uma complementa e contribui com a outra.
Segundo De
Marinis “Não existe um único tipo de experiência e compreensão do teatro,
existem vários...” De Marinis questiona “É possível compreender uma técnica
teatral e em particular a técnica do ator, sem exercê-la diretamente, sem ter
de alguma maneira uma experiência ativa?” “Não se pode ser um bom historiador,
ou teórico de teatro sem ter, ou haver tido, também uma experiência técnica
(artesanal) desta arte.” Aqui entendo técnica (artesanal) como prática. Acho
interessante transcrever aqui essas citações para traduzir melhor meu
pensamento de teoria e prática caminhando juntas. Pois se se fica apenas na
teoria, ou apenas na pratica, nesses casos a compreensão vai apenas até certo
ponto, não se pode aprofundar num processo, tanto teórico quanto prático, sem
conhecê-lo por completo, sem vivenciar, experimentar, sentir cada sentimento,
cada possibilidade em sua plenitude, ao extremo, inteiro, presente.
Essas palavras
que acabei de escrever, remeteram-me ao processo de criação das partituras do
Projeto Pirandello. Onde propondo uma imersão no universo do texto, “OS SEIS
PERSONAGENS EM BUSCA DE UM
AUTOR” no caso, o universo do bordel, do incesto, de uma família fragmentada,
os atores iam entrando em contato com os conteúdos que desses universos
emergiam, e começava-se a criar uma relação entre os atores, e a riqueza do
trabalho começava a surgir a partir das diferentes experiências de cada ator, a
diferença dos corpos, dos movimentos de cada corpo em particular, dos desejos e
dos sentimentos que afloravam, um olhar, um tempo de espera, um som, um gesto
sutil, um gesto agressivo, o silêncio...
“O que
acontecerá quando a realidade em si mesma já “dessemantizada” do corpo na dor e
no prazer for eleita como tema do teatro? É justamente isso que ocorre no teatro
pós-dramático. Ele faz do próprio corpo e do processo de sua observação um
objeto estético teatral. É menos como significante do que como provocação que
esse objeto vem à tona. Foi necessária a emancipação do teatro como uma
dimensão própria da arte para se compreender o corpo, sem prolongar uma
existência como significante, pode ser agente provocador de uma experiência
livre de sentidos que não consiste na atualização de um real e de um
significado, mas é experiência do potencial. O processo pós-dramático se dá no
corpo e não mais entre os corpos. O corpo pós- dramático estabelece a imagem de
sua agonia. Isso interdita toda representação ou interpretação placidamente
apoiada no corpo como mero intermediário. O ator precisa se colocar. “é a
decomposição do homem que se dá sobre o palco”. (Hans-Thies Lehmann). Para
complementar, Valère Novarina afirma: “O ator não é um intérprete porque o
corpo não é um instrumento.”
O que pude
perceber e observar durante o processo de criação do Projeto Pirandello e traçar
um paralelo com o estudo da teatralidade contemporânea, essa nova teatralidade
que permite a fusão de varias possibilidades, segundo Pavis: “o texto cênico é
fruto da composição de vários códigos que o encenador mobiliza na estruturação
de uma gigantesca partitura, em que espaço, ator, texto verbal, música e demais
materiais teatrais, traçam figuras, ritmos, organizações formais, cadeias de
motivos e atitudes, quadros estáticos e em movimento, mutação de situação e de
ritmo, na organização de um discurso teatral de múltiplos enunciadores.”
Pude observar
todas essas características de uma teatralidade contemporânea no Projeto
Pirandello, onde não existia uma única visão, a visão do enunciador, os atores
contribuíam a todo o momento na construção das partituras, o próprio espaço
físico, já não é de um teatro clássico com palco e quarta parede, o espetáculo
foi desenvolvido e apresentado em um casarão antigo, onde atores e espectadores
dividiam praticamente o mesmo espaço, não havia uma separação, havia uma possibilidade
de troca entre ator e espectador, o uso de projeção de vídeo, que a meu ver,
também é uma forma de quebrar com essa barreira entre ator e espectador, porque
inevitavelmente quando os atores param para observar o vídeo, ali, naquele
momento, eles passam a ocupar um lugar de espectador também.
“A palavra
teatro deriva do grego theaomai, verbo que significa olhar com atenção,
contemplar, mas também significa a pessoa olhada com admiração, ou ainda, ver
no sentido de visitar, de estar com a pessoa vista. E mais, de aprender através
do olhar. Como substantivo, théatron estabelece um lugar, “o lugar de onde se
vê”. Duplo movimento: o de olhar com admiração e o de ser olhado. Teatro é uma
palavra que permite a simultaneidade daquilo que se vê e que é visto, palavra
que evidencia o fluxo entre eu e tu, que nos coloca sentados no colo do
paradoxo, ao mesmo tempo Medusa e Pégaso.”(Verônica Fabrini)
Diz o mito que
Medusa, antes de ser transformada pela ciumenta Athena em monstro de cabelos de
serpentes, era uma donzela linda, de exuberante cabeleira, surpreendida pela
deusa em seu templo, nos braços do insaciável Zeus. Seu castigo foi o de
transformar todos os que a olhavam em estátuas de pedra. Medusa foi morta por
Perseu, que usando sandálias aladas e um escudo mágico de metal polido, fez com
que ela própria se mirasse e, paralisada, pôde o herói decapitá-la com uma
espada que lhe fora presenteada por Hermes. O sangue escorreu em abundância e
foi recolhido por Perseu. Da veia esquerda, saía um poderoso veneno. Da veia
direita um bálsamo capaz de ressuscitar os mortos. De seu pescoço, nasceram
duas criaturas: o gigante dourado Crisaor e o cavalo alado Pégaso. Bálsamo e
veneno, pedra e voo. Como estar sentado no colo do paradoxo.
Rendendo-se à
espada de Perseu, Medusa é libertada de sua triste sina e Pégaso- símbolo da
poesia- nasce de seu pescoço.
Essa ambiguidade
que é inquietante na relação com o olhar."
BIBLIOGRAFIA
DE MARINIS,
Marco. En busca del actor e del
espectador. Comprender el teatro II, ed. Galerna.
LEHMANN,
Hans-Thies. Teatro pós-dramático, ed. Cosacnaify
PAVIS, Patriice.
A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas, ed. Perspectiva.
LAZZARATTO,
Marcelo. Campo de visão: exercício e linguagem cênica, Ed. Escola superior de artes
Célia Elena.